A BIBLIOTECA NA FEIRA DA CIDADANIA

Lagoa, 30 de Maio de 2010
Sair à rua
Saio à rua e vejo a vizinha que mora mesmo ao lado, o filho de alguém, rapaz que balanceia o corpo na negação do caminho dos deveres impostos de futuro.
O marido de qualquer vizinha que trabalha nas Finanças, na loja dos telemóveis ou noutro sítio qualquer.
 O carteiro que carrega deveres, obrigações, esperanças, fechadas em rectângulos. A carrinha do padeiro e até o cheiro do restaurante.
Há pão, há trabalho, há letras, há dúvidas, há insatisfações misturadas numa mesma rua.
Rua, retalho de mundo, rua ligação de vontades, rua espaço aberto ao céu.
Nas ruas há casas abertas e fechadas e há uma grande casa aberta a olhar eternamente, perdidamente apaixonada pela rua, pelo mundo: a Biblioteca.
E há dias, em que até as bibliotecas se gostam de mostrar e com o mesmo à vontade que estão dentro de portas instalam-se na tenda, mesmo no meio da rua, debaixo de um sol convicto e simplesmente abrem as cortinas e convidam todos os passeantes a olhar, olhar para si, para os outros e a deixarem interrogações de caminhos, de ruas já percorridas.
O rapaz que balanceia o corpo não entra na tenda, os balanços são tão fortes que receia as suas consequências, a vizinha olha, acha bonito, nada pergunta com receio de parecer fora do mundo, um marido qualquer aprova com a cabeça, esboça um sorriso e todos os gestos ficam de acordo com o seu pensamento: a educação necessita, necessitará sempre de reforços e a cidadania, certamente, passará por aqui.
As crianças entram, com quem entra na sua casa e instalam-se, e mexem, e remexem e decidem-se, quero isto, não quero aquilo. Quero “ir” ao Magalhães” , quero fazer um desenho, quero ler, quero pintar. Quero, a vontade expressa de quem sabe o que procura ou o conforto da decisão.
Na grande praça do Auditório Municipal estão mais de quarenta tendas de agrupamento de escolas, de associações, de instituições, insufláveis, o palco para os grandes espectáculos de animação, o auditório para os seminários e encontros com escritores e outros, a grande tenda da feira do livro responsabilidade da Biblioteca Municipal e a tenda das Bibliotecas Escolares, no mesmo terreiro, fazendo parte de um todo, mostrando-se e mostrando que o seu lugar é no mundo vivo, no meio da gente, dialogando com quem passa e deixando as marcas da sua existência.
Entra uma criança e faz questão de partilhar a sua nova aquisição, um livro que o pai lhe comprou. Carrega-o com vaidade, qual tesouro, só dela. A professora, que está na tenda, ouve-a e esfrega as mãos, uma contra a outra, em pleno contentemento, aperta a sua voz no mais fundo de si e delicia-se no seu trabalho.

Madalena Santos
Coordenadora inter-concelhia RBE